O que faz um Chief Happiness Officer nas empresas?

A Felicidade é um tema abordado pelas mais diferentes correntes filosóficas, sociológicas, psicológicas e religiosas ao longo do tempo. Para os hedonistas, ela é uma busca eterna pela satisfação dos prazeres. Para os estoicos, um conjunto de ações virtuosas, aliadas à consciência de que só devemos nos preocupar com aquilo que está sob o nosso controle. Para os budistas, seria a renúncia do ego. É evidente, para além dos conceitos, que a felicidade nunca foi um tema tão atual. Para aqueles que teorizam sobre ela, um ponto de frequente concordância é o de que a felicidade tem algumas dimensões que são subjetivas e próprias de cada ser humano, mas também elementos comuns a todos, e que ela é indispensável para todos os setores da vida – incluindo o trabalho. 

Foi a partir dessa ideia que uma empresa dinamarquesa – a Woohoo Partnership – criou, em 2003, uma metodologia voltada para a satisfação do colaborador, dando origem ao certificado de Chief Happiness Officer (CHO). Segundo Maria Laura Saraiva num artigo da Revista Forbes, esse profissional é responsável por elaborar estratégias e ações que promovam a felicidade corporativa, melhorando índices de engajamento e produtividade de todo o time e, consequentemente, da empresa como um todo.

“O Chief Happiness Officer é quem vai liderar o debate sobre saúde mental e bem-estar nesses ambientes”, explica Renata Rivetti, diretora e fundadora da Reconnect | Happiness At Work, uma das empresas brasileiras especializadas no tema. De acordo com ela, a primeira coisa a ser levada em consideração é que o conceito de felicidade corporativa é abstrato, mas trata-se da experiência constante e duradoura de se sentir reconhecido, valorizado e realizado em uma empresa. 

CHO: o “chefe da felicidade” 
Qualquer profissional pode se tornar um CHO ou mesmo absorver a técnica para colocá-la em prática na sua ocupação atual. Para isso, é necessário procurar alguma das organizações que oferecem o certificado. Em média, a formação dura de três a cinco dias e é ministrada por psicólogos e especialistas do mercado. Hoje, no Brasil, segundo o Instituto Feliciência e a Reconnect, já existem 169 profissionais qualificados na área.

Aliado da psicologia positiva, o “chefe da felicidade”, como é apelidado esse profissional, costuma iniciar seu plano de ação com pesquisas qualitativas e quantitativas a respeito do bem-estar dos colaboradores da empresa. A partir desse entendimento, é hora de montar um diagnóstico e traçar iniciativas que façam sentido para o grupo, de reuniões de feedbacks a mudanças de tarefas. “Muitas empresas focam apenas em dar benefícios, kits, festas, cursos, aumento de salário, e se esquecem que felicidade não é sobre o que as pessoas recebem, mas sobre como elas se sentem”, afirma Renata. 

Segundo Carla Furtado, fundadora e professora do Instituto Feliciência, o trabalho do CHO vai muito além de estabelecer uma estratégia de benefícios pontuais para os colaboradores; ele deve ir em direção a uma política duradoura e alinhada aos valores e propósitos da organização.  Os planos de ação variam de acordo com o tipo e a fase da empresa, mas devem sempre englobar os fatores positivos e negativos que impactam a vida das pessoas. “A primeira coisa a se fazer é uma visita à cultura da organização, que normalmente vai estar descrita no conjunto de princípios como a missão, a visão, os valores e o propósito”.

É importante perceber se esses postulados estão sendo realmente colocados em prática pela organização (coerência institucional); para isso, o envolvimento da alta gestão é fundamental. O segundo passo é o alinhamento das lideranças, porque de nada adianta ter um programa de felicidade quando os líderes estão distantes dessa discussão, não valorizando práticas como a empatia, a escuta ativa, a resiliência e a valorização das pessoas. Sem essas ações iniciais, torna-se difícil estabelecer e sustentar um “Programa de Felicidade” em qualquer organização. 

Ser feliz dá lucro
Ter um “Programa de Felicidade” bem estabelecido pode alavancar a produtividade de uma empresa e melhorar outros indicadores importantes da gestão de pessoas. É o que demonstra uma pesquisa feita pela “Harvard Business Review”; de acordo com os resultados, colaboradores felizes são 31% mais produtivos, 85% mais eficientes e 300% mais inovadores. Para a empresa, o impacto resulta, ainda, em 55% menos demissões e uma probabilidade 125% menor de casos de Burnout.  

“O sofrimento é uma torneira aberta em termos de recursos, seja por causa de afastamentos, baixo engajamento ou rotatividade. Tudo isso leva a uma perda de ativos. Cientificamente falando, temos estudos que mostram um aumento do engajamento após os programas de felicidade e uma incidência menor de transtornos mentais”, diz Carla. 

Por esse motivo, o Chief Happiness Officer também costuma atuar ao lado dos setores de crescimento e desenvolvimento das companhias. “É uma ponte entre a ciência da felicidade e a gestão estratégica que precisa entregar resultados”, explica a fundadora do Feliciência. 

O bem-estar nunca foi tão urgente
Segundo as especialistas, a questão da saúde mental nas empresas é cada vez mais debatida e presente no cotidiano. A atuação e os conhecimentos de profissionais como o Chief Happiness Officer nunca foram tão requisitados como durante a pandemia.

“A profissão cresceu por causa do avesso da felicidade, o sofrimento”, ressalta Carla. Durante o último ano, diante dos números alarmantes de transtornos mentais entre os brasileiros, as empresas começaram a perder talentos e produtividade. Foi nesse momento que observamos que a felicidade do colaborador passou a ser levada a sério. Se antes nosso debate era encarado com ceticismo, agora os líderes já estão percebendo a importância disso”, afirma Renata. 

Uma pesquisa feita pelo Employment and Employability Institute mostrou que a felicidade corporativa é quase um ponto obrigatório para a próxima geração de trabalhadores, os millennials. Destes, 53% querem atuar em empresas cujos valores sejam os mesmos que os seus, enquanto 75% procuram uma rotina flexível entre trabalho e tempo livre. Outros 44% dizem que buscam um ambiente amigável, e 90% almejam desafios e oportunidades de crescimento. 

“Esperar a sexta-feira para ser feliz é jogar a vida fora. O tempo não pode ser poupado para ser vivido depois. O trabalho precisa ir além da subsistência, ele fala da nossa identidade, da nossa colaboração com o mundo e do legado que vamos deixar”, finaliza Carla Furtado.

Por Dr. Raimundo Saturnino Pereira

Médico Anestesiologista

Mestrado em Ciências da Saúde (UFS)

Pós-graduação em Psicologia Positiva (PUC/RS)

Diretor Técnico do Grupo Provida