Pais denunciam protocolo ineficaz da Prevent Senior, supostamente utilizado em hospital de Aracaju

Esta semana, a mídia nacional tem divulgado matérias apontando que a Hapvida, uma das maiores operadoras de planos de Saúde do país, passou a ser investigada devido à suspeita de pressionar médicos a prescreverem medicamentos ineficazes contra a Covid. Na semana passada, o Jornal O Globo publicou uma reportagem com áudios, mensagens de texto e relatos indicando pressão da coordenação da Hapvida nacional para que os médicos prescrevessem o kit Covid. 

Vale ressaltar que, antes desse alvoroço em torno da Hapvida vir à tona, o diretor executivo da Prevent Senior, Pedro Benedito Batista Júnior, foi ouvido na Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do Senado Federal, montada para apurar irregularidades durante o período de pandemia da Covid-19. Lá, ele falou sobre um protocolo para estimular o tratamento precoce e a desospitalização, a todo custo, de pacientes internados em leitos de Unidade de Terapia Intensiva (UTI).

Foi assistindo a esse depoimento, bem como as matérias veiculadas na imprensa, que o representante comercial Rafael Vieira percebeu que os relatos tinham relação com um drama vivido dentro da sua própria casa em dezembro do ano passado, quando precisou levar o seu filho Benjamim Amaral, à época com apenas três meses de vida, à urgência do Hospital Gabriel Soares, que atende pacientes do Plano de Saúde Hapvida.

Rafael e Mylena lutam por Justiça para o pequeno Benjamim

“Meu bebê de três meses ficou 33 dias na UTI da Covid do Hospital Gabriel Soares e eu venho acompanhando a CPI da Covid no Senado e algumas coisas, principalmente com o depoimento do diretor da Prevent Senior, algumas coisas que ele falou bateram com os protocolos que foram aplicados com o meu filho. Hoje ele tem monoparesia na perna direita, ficou com algumas sequelas e foi intubado por três vezes”, disse Rafael.

Atualmente, ele e a esposa Mylena travam uma batalha na Justiça em busca de reparação pelo que, segundo ele, aconteceu com o pequeno Benjamim no período em que esteve internado no Hospital Gabriel Soares.

“Com a matéria que saiu no Fantástico, onde os médicos falaram como eram feitos os protocolos, eu comecei a perceber que algumas coisas estavam encaixando dentro do que aconteceu com o meu filho. Decidi falar para que a história dele não fique enterrada dentro de um processo judicial. O processo está parado, a primeira juíza se declarou suspeita, o Ministério Público é parte na ação e a gente, inclusive, pedi uma perícia para que vejam todo o prontuário e tudo o que aconteceu com o meu filho. Essas retiradas dele da UTI foram o que encaixou dentro do protocolo que a Prevent Senior recomendava”, acrescentou o pai.

Segundo ele, o sofrimento teve início ainda durante o internamento, pois a operadora Hapvida se recusou a autorizar o procedimento, sob a alegação de que Benjamim ainda não tinha cumprido o período de carência.

Pais afirmam que operadora agiu de forma desumana

“Quando meu filho Benjamim deu entrada no Hospital Gabriel Soares, da Hapvida, no dia 5 de dezembro, ele apresentava convulsões. A Hapvida negou o internamento dele na UTI, alegando que ele estava no período de carência do plano, só que para urgência e emergência isso não existe. A gente teve que ingressar por duas vezes na Justiça para que o juiz desse uma liminar para que ele fosse internado e o quadro de saúde dele piorou drasticamente”, lamentou o pai.

E continuou: “No primeiro internamento dele, ele foi levado para a UTI às pressas e depois de ser intubado pela primeira vez, eles alegaram que ele tinha que sair da UTI porque não apresentava mais risco de Covid, o que eu descobri que esse protocolo não existiria, porque ele não apresentava, de certa forma, risco à Covid, mas ele estava com problemas devido à Covid, então não poderia ter saído da UTI. Para liberar leitos tiraram meu filho da UTI e jogaram em uma enfermaria e nessas 24 horas que ele saiu, meu filho piorou e voltou a ser intubado e retornou para a UTI. Isso aconteceu por mais duas vezes. Eu percebi que eles tentaram a todo tempo tirar ele da UTI por conta do custo e isso fez com que meu filho sofresse ainda mais”.

Ele narra uma suposta investida de funcionários do Hospital Gabriel Soares na tentativa de fazer com que o seu filho, Benjamim, fosse transferido para a rede pública de Saúde, inclusive, segundo ele, o corpo clínico do hospital chegou a fazer a regulação junto ao Sigau.

“Para que o meu filho fosse levado para um quarto, a gente teve que desembolsar R$ 7 mil, porque a Hapvida não quis internar meu filho porque alegava que ele estava no período de carência. Tivemos que correr atrás para conseguir um caução. Nesse dia, uma funcionária parou a gente no corredor do hospital e falou “olha, seu filho foi para a UTI, mas para ele ficar na UTI tem que deixar um calção de R$ 30 mil”, assim no meio do corredor. Ainda neste dia, quase meia-noite, a gente estava em casa e recebeu uma ligação do hospital dizendo que a gente teria que ir até o hospital naquele momento para pagar uma bolsa de sangue que ele iria precisar de uma transfusão. Saímos do Robalo, onde a gente morava, para efetuar o pagamento de R$ 606. Na volta, minha esposa vinha dirigindo, cochilou e acabou causando um acidente”, diz Rafael.

Segundo os pais de Benjamim, prontuário foi entregue incompleto

Já com a ordem do juiz em mãos e, segundo ele, com o advogado da Hapvida já tendo ciência da liminar para que o plano prosseguisse com o internamento de Benjamim, ainda assim, o hospital aguardou por horas a chegada do oficial de Justiça para dar ciência da decisão, o que agravou ainda mais o estado de saúde do garoto. Os pais estão com o prontuário que foi fornecido pelo Hospital Gabriel Soares, mas, segundo eles, é nítida a ausência de algumas páginas.

“Quando eu cheguei no Hospital com a ordem do juiz para que meu filho fosse internado, eles falaram para mim que ele só ia ser internado quando o oficial de Justiça fosse lá entregar a ordem, porém o advogado da Hapvida já tinha se manifestado no processo e tinha ciência da determinação judicial. Tivemos que ficar por horas aguardando e o meu filho piorou mais uma vez. Pegamos todo o prontuário dele, que é enorme, algumas coisas a gente sabe que foram suprimidas do prontuário, porque não constam e os anexos não seguem uma linha padrão, faltam algumas páginas, a gente não sabe porque e o que aconteceu”, pontuou Rafael Vieira.

Outro caso, que também aconteceu na mesma época dentro do Hospital Gabriel Soares chama a atenção. Trata-se do internamento de Kevin Wescley, à época com quatro anos de idade. De acordo com Ketyley Alves, mãe do garoto, o protocolo utilizado com o seu filho tem semelhança com o caso de Benjamim. Além disso, ela afirma que uma enfermeira entregou documentos para que ela assinasse para trâmites cirúrgicos do seu filho e, entre esses documentos havia uma autorização para a administração de hidroxicloroquina, substância comprovadamente sem eficácia no tratamento da Covid-19.

“Meu filho tem hidrocefalia e entrou no Hospital Gabriel Soares para a colocação de uma válvula, chegando lá me informaram que ele estava com alguma coisa viral, foi quando veio a suspeita da Covid, que inclusive pegou no hospital. Ele pegou várias infecções e fez cinco cirurgias. Numa dessas cirurgias, eu me recordo, inclusive tenho a foto do documento, me entregaram documentos de procedimento cirúrgico normal, mas dentre eles me entregaram uma declaração para uso da cloroquina, isso antes dele entrar em cirurgia. Eu questionei porque ele já tinha passado dos 15 dias do período da Covid e a enfermeira disse que era um procedimento padrão. Eu fiquei desconfiada, tirei foto, mas não assinei”, narrou Ketyley.

Ela conta as semelhanças com o caso de Benjamim Amaral. “Ficamos lá por quase três meses e o hospital retirou meu filho diversas vezes da UTI e quando ele chegava na enfermaria piorava e tinha que voltar para a UTI. Ele tinha quadro infeccioso grave e utilizava antibiótico de âmbito espectro. Em uma das vezes, ele ficou mais de 24 horas sem o antibiótico porque eles deixaram faltar, foi aí que Kevin piorou demais e um médico levou ele para a UTI, inclusive contrariando a direção do hospital. Nesse período, eu vi duas crianças lá que foram a óbito enquanto eu estava lá, mas não sei quais os motivos”, acrescenta a mãe.

Para corroborar a insistência em torno do uso do tão combatido kit Covid, a equipe de Reportagem conversou com um paciente que foi hospitalizado na mesma época em que as crianças estiveram internadas no Gabriel Soares. Ele pediu o anonimato, mas demonstrou por meio do receituário os medicamentos que foram prescritos pelo médico.

“Em junho de 2020, eu me senti mal e comecei a desconfiar que seria Covid-19, porque os sintomas eram característicos. Quando perdi o paladar e o olfato, tomei a decisão de ir ao Hospital Gabriel Soares, que atende o meu plano Hapvida. Fui encaminhado para a urgência especial de atendimento para pacientes com suspeita do vírus e logo fui atendido pelo médico, que confirmou os sintomas e prescreveu três medicamentos: Ivermectina, Azitromicina, Paracetamol, Dexametazona e Hidroxicloroquina. Esse último medicamento foi distribuído pelo próprio hospital, sem custo algum, mas eu não tomei, pois lembro que na época a OMS já havia se manifestado em relação a não eficácia para o tratamento da Covid e sobre os riscos oferecidos à saúde. Fui encaminhado para testagem PCR e 15 dias depois, o resultado deu positivo”, disse o paciente.

A equipe de Reportagem também procurou o senador sergipano intergrante da CPI da Covid, Rogério Carvalho, que se manifestou sobre o assunto. “Antes de mais nada quero me solidarizar com todas as famílias sergipanas que perderam seus parentes e todas as famílias que tiveram problemas com operadoras de planos de saúde. Esta semana nós vamos ouvir o presidente da ANS para saber porque a ANS, mesmo diante de tantas denúncias de usuários, não tomou nenhuma providência. É claro que, independente da posição da ANS, a CPI deve propor que todos os planos e operadoras que tiveram questionamentos feitos através da ouvidoria da ANS sejam investigados”, garantiu Rogério.

Por fim, o pai do pequeno Benjamim alerta para a necessidade de que o que aconteceu com o seu filho dentro do Hospital Gabriel Soares seja devidamente apurado.

“Eu sei que meu filho sofreu muita coisa. É preciso investigar. Quantas e quantas crianças não foram levadas para a UTI do Gabriel Soares e foram retiradas de lá e enviadas para hospitais públicos porque a Hapvida disse que eles não cumpriam o período de carência de plano? A gente viu muitos casos de crianças que não tiveram acesso rápido à Justiça e simplesmente foram mandadas para hospitais públicos. Eram crianças que estavam em leitos de UTI com Covid e receberam alta médica e pioraram. O que aconteceu no Gabriel Soares no mês de dezembro, num dos auges da Covid, foi estarrecedor. Eu fiz vários boletins de ocorrência contra a Hapvida. Meu filho é uma bênção de Deus, foi Deus que colocou a mão e disse “você vai viver”, porque pela Hapvida e pelo Hospital Gabriel Soares ele teria morrido”, finalizou Rafael Vieira.

A equipe de Reportagem buscou insistentemente um posicionamento do Hospital Gabriel Soares, bem como do Plano Hapvida, mas ambos preferiram silenciar sobre o assunto.